Acordei em um quarto bem iluminado, desprovido de cores fortes, em que tudo parecia opaco.
Meus olhos pouco viam e minha cabeça latejava.Meu corpo repousava em uma cama mole de lençóis no mesmo tom do quarto.Arqueei meu corpo sentando no colchão e colocando os pés no piso branco e gelado.Havia uma janela entreaberta e uma porta.Pulei da cama, percebi então que não vestia minhas roupas diárias.Havia outra peça que não era minha, também com as mesmas cores opacas.Puxei a maçaneta da porta e abri.Do outro lado havia um corredor.Abarrotado de pessoas indo e vindo em direções contrárias.Chamei por uma mulher de meia-idade que carregava uma prancheta.Não me ouviu, ou apenas ignorou.Caminhei ao encontro dela e esbarrei em um jovem bem vestido.Pedi desculpas mas ele nem ao menos me olhou, pareceu não perceber meu toque.Pedi se alguém podia me ajudar aumentando o tom de voz.Aparentemente ninguém se importou.Corri até o fim do corredor pedindo para que as pessoas me olhassem.
Vi, de repente, alguém que eu conhecia dentro de um dos quartos, um velho amigo que há meses não via,sentado sobre o criado mudo,observando um corpo desacordado sobre a cama.
Chamei por seu nome e ele não respondeu.
Fixei então os olhos amargamente sobre o corpo.O meu corpo.Desacordado e sem alma.Morto.
quarta-feira
Minha pele ardia debaixo do sol quente.O ar estava pesado e seco, em mais um dia de verão.Sentada no meio fio da calçada, em uma mão segurava um mochila, e na outra prendia entre os dedos um cigarro.Os vizinhos, todos do lado de fora de casa, tentando se refrescar sentados nas cadeiras reclinavéis da varanda.
Ouvi um ronronar leve de motor, no inicio da rua que dobrava a minha casa,e a poucos metros pude ver o Chevy Impala 1967,preto e reluzente,parando em frente a minha casa.Levantei rapidamente, enquanto a porta do motorista era aberta.
Ele saiu do carro, vindo ao meu encontro, tirando o cigarro de minha mão,sorrindo gozado e fitando-me com os olhos verdíssimos.Ainda tinha o ar irônico e a beleza incomum,o ar selvagem e desleixado,em uma combinação avassaladora.Pegou-me pela mão e abriu a porta do caroneiro.Sentei e ajeitei a mochila, enquanto ele colocava a chave na ignição e ligava o rádio, em uma música turbulenta, que falava sobre estrada para o inferno e liberdade.Me fitou pela segunda vez, levou uma das mãos a meus rosto e com a outra agarrou minha nuca,e seus lábios vieram de encontro aos meus.
Ainda com os lábios nos meus, pisou no acelerador,o motor gemeu, e partimos mais uma vez,estrada à fora.
Ouvi um ronronar leve de motor, no inicio da rua que dobrava a minha casa,e a poucos metros pude ver o Chevy Impala 1967,preto e reluzente,parando em frente a minha casa.Levantei rapidamente, enquanto a porta do motorista era aberta.
Ele saiu do carro, vindo ao meu encontro, tirando o cigarro de minha mão,sorrindo gozado e fitando-me com os olhos verdíssimos.Ainda tinha o ar irônico e a beleza incomum,o ar selvagem e desleixado,em uma combinação avassaladora.Pegou-me pela mão e abriu a porta do caroneiro.Sentei e ajeitei a mochila, enquanto ele colocava a chave na ignição e ligava o rádio, em uma música turbulenta, que falava sobre estrada para o inferno e liberdade.Me fitou pela segunda vez, levou uma das mãos a meus rosto e com a outra agarrou minha nuca,e seus lábios vieram de encontro aos meus.
Ainda com os lábios nos meus, pisou no acelerador,o motor gemeu, e partimos mais uma vez,estrada à fora.
sexta-feira
Ah!Fumarás demais,beberás em excesso, aborrecerás todos os amigos com tuas histórias desesperadas, noites e noites a fio permanecerás insone, a fantasia desenfreada e o sexo em brasa, dormirás dias adentro, faltarás ao trabalho, escreverás cartas que não serão nunca enviadas, consultarás búzios, números, cartas e astros, pensarás em fugas e suícidios em cada minuto de cada novo dia, chorarás desamparado atravessando madrugadas em tua cama vazia, não conseguirás sorrir nem caminhar alheio pelas ruas sem descobrires em algum jeito alheio o jeito exato dele, em algum cheiro o cheiro preciso dele (...)
Caio F.
Caio F.
Luzes natalinas atravessam a minha janela.O vizinho que mora no apartamento de cima está fazendo uma ceia, e a julgar pelos ruídos, os convidados abrem os presentes.A jovem vizinha que mora no apartamento ao lado saiu à algumas horas com o namorado,vi pela vidraça da sacada que trocavam beijos a luz do luar, enquanto ele dizia a ela juras de amor.O casal de velhinhos que mora do outro lado, recebeu a visita de seus filhos, e ainda ceiam com a família.Já são 23h e 30.Meu apartamento está vazio,não há luzes,não há enfeites,e sombras onipresentes e melancólicas vagam pela sala.Estou esperando até que o dia chegue ao final, e seja então Natal, para que eu possa me deitar e dormir, sonhar,apenas sonhar,que alguém adentre meu apartamento e traga coisas gostosas para que eu coma,e que traga luzes para que eu acenda como em todas as outras casas,dê-me algum presente que não preciso e cante comigo canções propícias à época. Quero que alguém espere até a meia-noite para me desejar um Feliz Natal,e que por favor, alguém expulse a solidão deste lugar, que nunca vai embora, e que parece não se importar com datas festivas,continua por perto, independente de luzes coloridas acesas ou não.
sábado
sexta-feira
segunda-feira
quarta-feira
terça-feira
O relógio de pulso marcava 17:00 horas em ponto.Me encontrava na frente de casa, percorrendo o caminho de pedras até a porta.Tinha que admitir que a casa era grande e luxuosa.Herdei-a de minha avó,como neta única,a idosa deixou-me a casa como herança,sabia eu que ela mantinha esperanças de que me casasse e que teria uma vida feliz.
Passei pela porta e despi-me do casaco largando-o no sofá.Durante os dois anos em que vivi sozinha na casa, a mantive quase totalmente do mesmo aspecto,fiz uma ou outra mudança na colocação dos móveis e cobri a luminosidade dos cômodos com pesadas cortinas.Os únicos quartos bem iluminados eram a cozinha, meu quarto, e as grandes escadas, apoiadas na parede onde haviam pequenas janelas que faziam brechas de luz.Nunca recebi muitas visitas,podia contar com os dedos o total de cada ano.E por receber tão poucas pessoas nunca limpei a casa,os resultados eram uma intensa camada de pó sobre todos os móveis, sujeira sobre o chão lustro e uma imagem de abandono.
Havia milhares de quartos, o que, para alguém casado, poderia render lugar de sobra para acomodar os filhos.Jamais pensaria em ter filhos, nunca quis dividir minha genética e minha falta de humor.Minha cama sempre esteve vazia, e ninguém jamais alimentou-se no palacete, talvez tomaram um café e serviram-se de algum biscoito.
Dediquei-me inteiramente aos livros, à escrita,às pesquisas,às tragadas,às bebidas.Deixei de viver por livre escolha.A casa abandonada, as roupas velhas e gastas,tudo deixava explicito o meu estado de espírito.Não havia nada nem ninguém para mim lá fora. Submersa em meus pensamentos, sobressaltei-me ao ouvir a campainha.
continua, talvez.
Passei pela porta e despi-me do casaco largando-o no sofá.Durante os dois anos em que vivi sozinha na casa, a mantive quase totalmente do mesmo aspecto,fiz uma ou outra mudança na colocação dos móveis e cobri a luminosidade dos cômodos com pesadas cortinas.Os únicos quartos bem iluminados eram a cozinha, meu quarto, e as grandes escadas, apoiadas na parede onde haviam pequenas janelas que faziam brechas de luz.Nunca recebi muitas visitas,podia contar com os dedos o total de cada ano.E por receber tão poucas pessoas nunca limpei a casa,os resultados eram uma intensa camada de pó sobre todos os móveis, sujeira sobre o chão lustro e uma imagem de abandono.
Havia milhares de quartos, o que, para alguém casado, poderia render lugar de sobra para acomodar os filhos.Jamais pensaria em ter filhos, nunca quis dividir minha genética e minha falta de humor.Minha cama sempre esteve vazia, e ninguém jamais alimentou-se no palacete, talvez tomaram um café e serviram-se de algum biscoito.
Dediquei-me inteiramente aos livros, à escrita,às pesquisas,às tragadas,às bebidas.Deixei de viver por livre escolha.A casa abandonada, as roupas velhas e gastas,tudo deixava explicito o meu estado de espírito.Não havia nada nem ninguém para mim lá fora. Submersa em meus pensamentos, sobressaltei-me ao ouvir a campainha.
continua, talvez.
domingo
A claridade invadiu o cômodo pela janela entreaberta, e mesmo que protestasse acordou-me.Rodei os olhos pelo quarto pequeno e acabei por ver os mesmos pertences usados e envelhecidos.Deparei-me mais uma vez com o lado esquerdo da cama mole de casal vazio.Levantei e sem passar pelo banheiro ou trocar de roupa,desci até a cozinha.Ignorei toda a bagunça e toda a sujeira acumuladas.Andei a paços lerdos e senti meu coração palpitar fortemente ao deparar-me com olhos verdes fitando-me, vindos de alguém escorado na pia encardida.A mesma imagem, fazendo-lhe total justiça,o corpo magro, o cabelo eriçado e alaranjado e a mesma ironia estapada, a face petrificada em perfeição.Perfeição que a muito já havia deixado este mundo.Meus olhos questionaram minha sanidade e indagaram se a imagem tratava-se de uma lembrança repetida em mais um sonho.Meu garoto não mais existia, foi-se.Mas meus olhos o viam, ele existia para minha visão.Andei,temendo,em sua direção,direcionando-me apenas por seus olhos duros e verdosos.Levei minhas mãos a tocar seu rosto e tracei calmamente seus traços perfeitos.Não existia apenas para minha visão, existia também para minhas mãos e para todo o meu corpo.A dor invadiu meu peito, avisando-me da insanidade.Algo cuspia de minha garganta e eu queria perguntar-lhe algo.
- Por favor,... - sussurrei rouca.Ele apenas sorriu e seus braços envolveram meu corpo.Não me importava que fosse insano acreditar que ele ainda vivia.Era feliz e arrancava de meu peito toda a dor.Insano ou não,deixei que seu abraço durasse por mais tempo, e se não fosse pedir de mais,que durasse para sempre.
- Por favor,... - sussurrei rouca.Ele apenas sorriu e seus braços envolveram meu corpo.Não me importava que fosse insano acreditar que ele ainda vivia.Era feliz e arrancava de meu peito toda a dor.Insano ou não,deixei que seu abraço durasse por mais tempo, e se não fosse pedir de mais,que durasse para sempre.
Encontrou mãos frias debaixo dos lençóis, brincou com os dedos e alisou com calma a palma.E em sua distração,outros lábios molharam os seus.Sentiu tudo como um teatro assistido, que por ironia, não parecia real.Mas puxou-a para si, com medo de que talvez a garota pulasse a janela e fugisse, levando consigo todos os seus beijos e toda a felicidade.