quinta-feira

 O café feito com tanto afeto minutos antes parecia começar a arrefecer e os biscoitos cozidos a fogo baixo no fogão velho perdiam rapidamente sua crocancia.As janelas e portas escancaradas trocavam o ar da cozinha mal mobilhada, e arrepiavam seu corpo vestido por poucos agasalhos.Esperava por sua imagem adentrando sua casa fazendo milhares de pedidos de desculpa por estar extremamente atrasado.Na verdade sempre fora ela a atrasada, sempre aparecia trinta ou quarenta minutos após o combinado.Ele, por outro lado, sempre fora pontual, quando o relógio tiquetaqueava em ponto a hora marcada, ele aparecia ao pé da porta sorrindo maldosamente.
Ela podia ligar e pedir onde estava, mas não lembrava ao certo seu número.Suspirou. Podia ele ter esquecido?Não riscava esta alternativa.
O telefone tocou,atrapalhando o silêncio incomum.Em um gesto rápido pegou o gancho e o levou até a tempora.Esperava pela voz sussurrada dele, dizendo que estava atrasado mas logo chegaria.Não era sua voz.Mas uma outra voz, que nada tinha em comum com a dele, falava a seu respeito.Disse-lhe a voz que podia fechar as janelas e a porta, podia desfazer-se do café e dos biscoitos.Pediu do que a voz falava.Disse ela que não só disso,também das lembranças ela devia desfazer-se, das lembranças que tinha a respeito dele.A voz não esperou por seus questionamentos, disse-lhe apenas que ele estava longe, em um lugar que transporte algum o podia levar até minha casa.A voz eu sabia que escondia nas palavras arrastadas algo desagradável.Estava em um lugar onde não havia portas e janelas, e o vento que arrepiasse, muito menos biscoitos, continuou a voz.Entendi as palavras, estava ele em um lugar que minhas pernas não podiam me levar.Um lugar onde ele não poderia adentrar minha casa, e a de mais ninguém. Foi-se,sem ao menos me dizer que precisava fechar as janelas.

Um comentário:

Nicole disse...

Parece escrever cada dia melhor.

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