segunda-feira

Deitei sobre seu peito morto, e olhei pelos olhos embaçados de lágrimas seu rosto mais uma vez.Seu corpo transbordava sangue, o meu dor.Ele morria.Eu ficava.Injusto, apenas injusto.

terça-feira

O relógio de pulso marcava 17:00 horas em ponto.Me encontrava na frente de casa, percorrendo o caminho de pedras até a porta.Tinha que admitir que a casa era grande e luxuosa.Herdei-a de minha avó,como neta única,a idosa deixou-me a casa como herança,sabia eu que ela mantinha esperanças de que me casasse e que teria  uma vida feliz.
Passei pela porta e despi-me do casaco largando-o no sofá.Durante os dois anos em que vivi sozinha na casa, a mantive quase totalmente do mesmo aspecto,fiz uma ou outra mudança na colocação dos móveis e cobri a luminosidade dos cômodos com pesadas cortinas.Os únicos quartos bem iluminados eram a cozinha, meu quarto, e as grandes escadas, apoiadas na parede onde haviam pequenas janelas que faziam  brechas de luz.Nunca recebi muitas visitas,podia contar com os dedos o total de cada ano.E por receber tão poucas pessoas nunca limpei a casa,os resultados eram uma intensa camada de pó sobre todos os móveis, sujeira sobre o chão lustro e uma imagem de abandono.
Havia milhares de quartos, o que, para alguém casado, poderia render lugar de sobra para acomodar os filhos.Jamais pensaria em ter filhos, nunca quis dividir minha genética e minha falta de humor.Minha cama sempre esteve vazia, e ninguém jamais alimentou-se no palacete, talvez tomaram um café e serviram-se de algum biscoito.
Dediquei-me inteiramente aos livros, à escrita,às pesquisas,às tragadas,às bebidas.Deixei de viver por livre escolha.A casa abandonada, as roupas velhas e gastas,tudo deixava explicito o meu estado de espírito.Não havia nada nem ninguém para mim lá fora. Submersa em meus pensamentos, sobressaltei-me ao ouvir a campainha.


continua, talvez.

domingo

Pode ficar com minha dor se quiser, tenho outras milhares.
A claridade invadiu o cômodo pela janela entreaberta, e mesmo que protestasse acordou-me.Rodei os olhos pelo quarto pequeno e acabei por ver os mesmos pertences usados e envelhecidos.Deparei-me mais uma vez com o lado esquerdo da cama mole de casal vazio.Levantei e sem passar pelo banheiro ou trocar de roupa,desci até a cozinha.Ignorei  toda a bagunça e toda a sujeira acumuladas.Andei a paços lerdos e senti meu coração palpitar fortemente ao deparar-me com olhos verdes fitando-me, vindos de alguém escorado na pia encardida.A mesma imagem, fazendo-lhe total justiça,o corpo magro, o cabelo eriçado e alaranjado e a mesma ironia estapada, a face petrificada em perfeição.Perfeição que a muito já havia deixado este mundo.Meus olhos questionaram minha sanidade e indagaram se a imagem tratava-se de uma lembrança repetida em mais um sonho.Meu garoto não mais existia, foi-se.Mas meus olhos o viam, ele existia para minha visão.Andei,temendo,em sua direção,direcionando-me apenas por seus olhos duros e verdosos.Levei minhas mãos a tocar seu rosto e tracei calmamente seus traços perfeitos.Não existia apenas para minha visão, existia também para minhas mãos e para todo o meu corpo.A dor invadiu meu peito, avisando-me da insanidade.Algo cuspia de minha garganta e eu queria perguntar-lhe algo.
 - Por favor,... - sussurrei rouca.Ele apenas sorriu e seus braços envolveram meu corpo.Não me importava que fosse insano acreditar que ele ainda vivia.Era feliz e arrancava de meu peito toda a dor.Insano ou não,deixei que seu abraço durasse por mais tempo, e se não fosse pedir de mais,que durasse para sempre.
Encontrou mãos frias debaixo dos lençóis, brincou com os dedos e alisou com calma a palma.E em sua distração,outros lábios molharam os seus.Sentiu tudo como um teatro assistido, que por ironia, não parecia real.Mas puxou-a para si, com medo de que talvez a garota pulasse a janela e fugisse, levando consigo todos os seus beijos e toda a felicidade.

sexta-feira

Não podia ver, como um bloqueio opaco.Não era possível ouvir, tapando os ouvidos como um ato de desespero.Não conseguia falar,como cordas vocais inutilizáveis e serradas.Como um vazio, que não pode sentir algo que nunca viveu.
Não me faça nenhum favor.Não espere que eu o encontre entre intervalos de rotina.Não quero que me procure, não quero que me ligue.Não quero suas perguntas e não quero sua preocupação.Não espere por nenhum tipo de atenção por minha parte.Espero que as coisas dêem certo sem você em minha vida.Desculpe por ser assim.

quinta-feira

Vi a mesma imagem ao fixar meus olhos no vidro sujo da janela que dava para a rua.Lembro-me de cada segundo,lembro-me de teu olhar desesperado, de tuas indagações perturbadas,de tua infelicidade ao ouvir meu pedido de adeus.Saiu pela porta da frente, deixando-a escancarada, para que o vento entrasse livre pelos comodos.Sei que partiu por um pedido meu, porque acreditava eu, que tua partida seria o melhor,só não sabia como machucaria ver tua imagem passando pela porta sabendo que jamais voltaria, e rever essa imagem, dia a dia,sem me acostumar com sua ausência.
Deixei que teu corpo atravessasse o véu fino que leva uma vida à outra, e ao permitir que acontecesse, deixei que meu corpo ficasse sozinho, pairando neste mundo repleto de desgosto.

quarta-feira

Antes fosse uma dor passageira, que arrumaria as malas e partiria ao meu primeiro pedido.
Minha garganta seca  aperta ao apagar das luzes do cômodo que antes fora abrigo de um coração partido.
Me encontro molhando a garganta com um líquido amargo e madeirado que acredito ser rum.Alguém divide a bebida comido, alguém de olhos fundos, bebericando de seu copo, e a cada pousar de copo na mesa, diz-me alguma frase ou comentário sobre o clima ou talvez sobre o bar, e espera por qualquer monossílabo meu em concordancia.E por acaso não te importa que meu riso seja ensaiado, e que minhas palavras possam te machucar como machucam a mim?E não te importa que meu peito seja preenchido de nada mais além do que dor?A escolha é tua.
Não me importa que minhas cartas nunca cheguem a ti, basta apenas que eu transcreva em linhas tortas minha angustia e solidão, pedindo a ti que não volte, temendo que se por acaso retornar, cause um estrago ainda maior.
E nada mais restou, além de lembranças de uma dor inacabável.